Sábado, 23 de novembro de 2024
- Duarte Carrasco
- 24 de dez. de 2024
- 6 min de leitura
15. Perder algo não é o fim do mundo.
No meu último ano do secundário, a viagem de finalistas era o tema central de todas as conversas. Tod@s falavam das festas, das aventuras e da diversão que, supostamente, tornariam aquela semana inesquecível. Mas, para mim, era uma despesa difícil de justificar, e, mesmo que conseguisse pagar, a ideia de estar num ambiente tão caótico não me entusiasmava. Ainda assim, a pressão era enorme. Como poderia perder a oportunidade de criar memórias com @s meus/minhas colegas no nosso último ano junt@s?
Decidi não ir. Quando vi as fotos e ouvi as histórias ao regressarem, senti aquele nó no estômago – o clássico “e se?”. Mas, em vez de me deixar consumir pelo arrependimento, escolhi usar o tempo em casa de outra forma. Comecei a aprender dinamarquês, sabendo que seria essencial para a minha próxima aventura em Copenhaga. Passei tardes a repetir palavras que soavam como música estranha e a tentar decifrar frases que pareciam impossíveis de dizer sem tropeçar.
Meses depois, quando cheguei a Copenhaga, em finais de agosto, as primeiras palavras que arrisquei dizer em dinamarquês – mesmo tímidas e mal pronunciadas – arrancaram um sorriso ao caixa do supermercado. Com um entusiasmado “Godt gået!” (“Bom trabalho!”), ele respondeu, e naquele instante percebi que a escolha de ficar em casa tinha valido a pena.
Aprendi que perder algo não é o fim do mundo. Às vezes, o que parece uma oportunidade perdida transforma-se num investimento em nós mesm@s. Não podemos fazer tudo, nem aproveitar todas as experiências – e está tudo bem. Porque, muitas vezes, os caminhos menos óbvios são os que nos levam às melhores surpresas.
16. É importante defenderes-te.
No 8.º ano, houve um dia em que o professor de História corrigiu os testes em voz alta, comentando as respostas que achava absurdas. Quando chegou ao meu, riu-se e leu a resposta errada que tinha dado, perguntando com sarcasmo: “Isto não é um disparate total?”. A turma explodiu em risos, e eu senti o rosto a queimar de vergonha. Por um momento, pensei em encolher-me e deixar passar. Mas algo dentro de mim recusou essa ideia. Com as mãos a suar e a voz a tremer, levantei a mão e disse: “Stor, com todo o respeito, não acho justo que goze com os erros de quem está a tentar aprender.”
O silêncio na sala foi ensurdecedor, e o peso das palavras pareceu pairar no ar. Por um instante, temi ter feito ainda pior. Mas o professor parou, olhou para mim com seriedade e disse: “Tens razão, Duarte. Não foi correto da minha parte.” A aula continuou, mas o ambiente ficou diferente – mais atento, mais respeitoso.
Naquele dia, aprendi que defender-me – mesmo quando é desconfortável – é um ato de respeito por mim mesmo. Não foi fácil confrontar uma figura de autoridade, mas foi um momento que me mostrou que, por vezes, dizer o que pensamos é necessário para abrir caminho a mudanças. Não se trata de criar conflitos, mas de estabelecer limites e afirmar que merecemos ser tratad@s com respeito. E, muitas vezes, é nesses momentos de vulnerabilidade que encontramos a nossa verdadeira força.
17. A vida não é só escola ou trabalho.
Quando comecei a licenciatura, estava determinado a ser o melhor aluno possível. Passava horas na biblioteca, mergulhado em livros, apontamentos e marcadores fluorescentes. Acreditava que, para alcançar os meus sonhos, precisava de resultados perfeitos e de uma dedicação implacável ao estudo. Mas, ao fim do primeiro trimestre, algo começou a pesar. A rotina que tinha construído era eficiente, mas vazia. Não sentia alegria. Estava a cumprir, mas não a viver.
Foi então que decidi juntar-me ao coro da universidade. Sempre adorei cantar, mas tinha deixado essa paixão para trás, convencido de que era um “luxo” que não podia dar-me. No primeiro ensaio, tremi de nervos. Não conhecia ninguém, e fazia meses que não cantava a sério. Mas, assim que entoámos a primeira nota em conjunto, senti algo diferente. Por instantes, todo o peso das responsabilidades desapareceu. A música tornou-se o meu escape, o meu espaço para respirar e, acima de tudo, para me lembrar de quem sou para além de notas e avaliações.
No final do ano, percebi que os momentos mais marcantes não foram as longas noites de estudo ou os exames bem-sucedidos. Foram os ensaios do coro, as amizades inesperadas e os concertos onde, entre erros e gargalhadas, redescobri a alegria genuína de viver.
A vida não se resume a tarefas, metas ou conquistas. Trata-se de encontrar o que nos faz sorrir, o que nos faz sentir viv@s e que, no processo, nos ajuda a crescer como pessoas. Não precisamos de ser perfeit@s; precisamos de ser felizes. E é nesse equilíbrio que encontramos o verdadeiro significado da jornada.
18. A gratidão muda a tua perspetiva.
Era um daqueles dias cinzentos de inverno em Copenhaga. A chuva caía incessantemente, o vento gelado fazia o guarda-chuva virar ao contrário, e os meus pés, encharcados nas botas, pareciam blocos de gelo. Estava atrasado para uma aula importante e tinha deixado o passe de transporte em casa. Encostei-me a uma parede fria da estação, frustrado, cansado e com a cabeça cheia de perguntas. “Por que é que estou aqui? Quem me mandou sair de casa para isto?”.
Enquanto o comboio se aproximava, algo mudou. Uma memória atravessou-me como um raio: lembrei-me do “eu” de há cinco anos atrás. Aquele jovem que sonhava em viver num país diferente, estudar numa universidade de prestígio, construir algo novo e desafiante. Nunca teria imaginado que, um dia, estaria ali, numa cidade como Copenhaga, a viver tudo aquilo com que sonhara.
Sim, aquele dia estava longe de ser perfeito, mas era a minha realidade – uma que eu escolhi, uma que eu desejei. Percebi que, mesmo naquele caos, estava a viver o que antes parecia impossível. Um dia mau em Copenhaga ainda era melhor do que o melhor dia no conforto do que já conhecia.
Essa mudança de perspetiva não fez o frio desaparecer nem tornou a chuva menos incómoda, mas deu-me algo muito mais importante: força. A gratidão tem esse poder. Não resolve os problemas, mas ajuda-nos a lembrar que os desafios de hoje são muitas vezes os sonhos realizados de ontem.
19. A dor não te torna frac@.
Estava a enfrentar mais uma vaga de confinamento devido à COVID-19, sozinho na Dinamarca, quando recebi a chamada. Era a minha mãe. Antes mesmo de atender, senti um aperto no peito, como se o meu corpo soubesse algo que a minha mente ainda não tinha processado. Do outro lado, com a voz trémula e carregada de emoção, ela disse: “O Roque morreu.”
Fiquei sem reação. Era como se o mundo ao meu redor tivesse parado, mas, ao mesmo tempo, o peso daquela notícia esmagava-me. Passei horas a chorar, incapaz de aceitar que nunca mais iria ouvir o som das suas patas a correrem pelo chão de madeira ou sentir o calor do seu corpo quando se deitava aos meus pés. Quando finalmente consegui perguntar o que tinha acontecido, a minha mãe explicou que ele tinha estado doente nos últimos dias. Já não conseguia andar nem comer, e a veterinária recomendou eutanásia. Ele partiu calmamente, rodeado pela família – só não por mim.
Não houve despedida. Não lhe fiz aquele último carinho no seu pelo áspero de Jack Russell. Não tive a oportunidade de olhar nos seus olhos castanhos e dizer-lhe que ele foi o melhor companheiro que poderia ter pedido. Chorei sozinho no meu quarto naquela noite, consumido pela culpa e pela tristeza de não ter estado lá.
Foi só dias depois, ao contar esta história a um amigo próximo, que comecei a sentir uma pequena luz no meio da escuridão. Contei-lhe como o Roque me esperava ansiosamente à porta sempre que eu chegava a casa, como parecia entender quando eu precisava de conforto e como, de tantas formas, ele tinha sido mais do que um animal de estimação – tinha sido uma parte de mim. Ele ouviu atentamente, sem me interromper, e, no final, disse algo que ficou comigo: “Ele sabia que era amado. Isso é o mais importante.”
A dor de perder o Roque nunca desaparecerá completamente – ainda sinto a sua falta todos os dias –, mas percebi que falar sobre ele, partilhar memórias e admitir o que sinto não me torna mais fraco. Pelo contrário, ajuda-me a manter viva a memória dele e a encontrar consolo na ligação que tivemos. A dor não é um sinal de fraqueza; é um lembrete da profundidade do amor que sentimos. Partilhá-la é o primeiro passo para curar o coração, e aceitar que ela faz parte de nós é, na verdade, um ato de força.
20. O teu instinto está, muitas vezes, certo.
Quando entrei para o 7.º ano no ensino público, sentia-me deslocado. Vinha de uma escola privada e, sem conhecer ninguém, refugiei-me na biblioteca durante os intervalos. Foi ali que conheci a stora Isabel, a professora de Português e também bibliotecária, que um dia se sentou ao meu lado e, apontando para o livro que eu lia, disse: “Sabias que este foi o primeiro livro de poesia que li quando tinha a tua idade?”. A partir daí, começámos a conversar.
Com o tempo, ela tornou-se uma espécie de mentora, encorajando-me a fazer coisas que nunca teria considerado, como participar no Concurso de Leitura do Concelho de Cascais. “Segue o teu instinto,” disse-me. Concorri, e, para minha surpresa, fui finalista. Percebi que confiar nela tinha sido confiar em mim – e essa lição nunca me abandonou.
Comments